sábado, 9 de maio de 2009

Amália... Hoje?



Com a meditização que teve, e tendo em conta o nome para o qual reporta, não foi difícil ao projecto Amália Hoje chegar ao primeiro lugar da tabela nacional de vendas.

Contudo, já voltei a ouvir estas novas versões, continuo a não gostar do disco e dificilmente mudarei a opinião.
Não acredito que o problema deste meu "desgosto" consista estilo da Sónia ou do Fernando, dos quais até gosto bastante. O problema começa e acaba logo com a abordagem que se escolheu para homenagear uma artista como a Amália - com todas as implicaturas que isso tem.

Sim, os novos arranjos são interessantes ("profissionais", vá...), as performances idem, mas continuo a ter a opinião de que quando se pega num género (do mais folk que pode existir) como o fado, há que ter muito cuidado com as (re)interpretações que se lhe fazem para não desvirtuar demasiado a essência do que foi originalmente concebido. No Amália Hoje isso não foi obviamente isso em conta, e isso torna-se óbvio, mesmo que gostemos das canções e do que estamos a ouvir. Por mim, só por isso fica a perder. Do meu ponto de vista, descaracterizou em excesso precisamente aquilo que torna aquelas canções interessantes, e em algumas, quase que se limitaram a fazer hipotéticos covers da Amália com um "estilo The Gift".

Apartir do momento em que alguns dos integrantes do projecto dizem em entrevistas que apenas conheciam o trabalho de Amália de forma superficial e que não o ouviam muito, está tudo estragado à partida.
Se não conhecem a "essência Amália" (que não é exactamente igual do que conhecer a essência do Fado - cá estão as implicaturas, algumas delas de ordem cultural, e logo, do ponto de vista da concepção artística), o que é foram fazer para um estúdio com aquelas canções? Brincar aos tributos? Aos experimentalismos?
Nuno Gonçalves quis as guitarras portuguesas de fora. Okay, aceitável. Mas as guitarras portuguesas atribuem uma determinada textura e força ao fado e, nomeadamente, às canções de Amália. E onde é que está o elemento de substituição para essas texturas? É que a parte orquestral não está a fazê-lo... Também não consigo entender o porquê de ter alterado visivelmente as melodias (e respectivas progressões melódicas) de alguns desses temas.
Não acredito que teria sido com versões de pop alternativa (que é o que os The Gift representam) e com arranjos orquestrais bonitos acoplados que se safam...

Há canções, há melodias, e há catálogos de artistas que são tão poderosos, tão épicos, tão únicos e tão intemporais que, de tão actuais que sempre serão, não precisam que lhes façamos updates ou reinvenções rebuscadas. A Amália é um desses casos mais óbvios.

Sim, o fado é popular, mas "ser popular", Hoje, já não significa forçosamente "ser pop"!
...E no Amália Hoje essa permissa foi ignorada.

10 comentários:

poor guy fashion victim disse...

Excelente texto. assino por baixo quase tudo, só não assino o que à Amália propriamente diz respeito, é que conjuntamente com fátima, o fado e o futebol, essa coisa da Amália e da alma tuga e mais blá blá blá, passa-me completamente ao lado e só consigo ver mesmo o produto de um país atrasado e fechado sobre si mesmo por uma ditadura. é que eu sou tuga, se fosse assim como a modos, americano, franc~es ou outra coisa qualquer ainda era capaz de lhe encontrar algum interesse etnográgico, tal como achamos graça às coisa exóticas na semana do exotismo, mas assim nem isso! culpa minha.

Zunkruft disse...

Hoje já não consigo restringir a importância da Amália - até mesmo a nível cultural - à premissa salazarista dos 3 F's.

Há de (re)ver o documentário de 1995 feito com a senhora para perceber que o peso cultural da Amália, das composições, actuações (e até dos poemas em específico que interpretou) é muito mais do que isso.

Estaria a ser pouco razoável e a reflectir pouco se resumisse a Amália a um produto do Estado Novo.

poor guy fashion victim disse...

será sem dúvida mais que os 3fs, mas foi sem sombra de dúvida um produto do Estado Novo, nem que seja porque foi caso único no panorama nacional simplesmente porque não houve mais nenhum e porque não houve mais nenhum, demos-lhe demasiada importância e assim lá continuamos a estar dentro do pensamento circular à Estado Novo. Não sei se me faço entender.

É para mim muito dificil entender como pode hoje a música da Amália ser vista para além da curiosidade de um produto datado num determinado tempo e espaço.Por outro lado a personalidade da Amália, por comparação a outras figuras, é bem mais desinteressante. Aliás olho para Amália e não vejo mais que o que em redor dela quase todo um país construiu. Isso talvez sim seja interessante, mas a coisa em si...

poor guy fashion victim disse...

Voltando ainda á carga:
Por outras palavras, Amália, quer enquanto expressão musical, quer enquanto fenómeno não tem universalidade e esgota-se num símbolo nacional que um país sentiu necessidade de construir para si mesmo e nele acreditar, acreditando igulamente que é um simbolo universal.

Os Beatles são um produto datado mas para além de serem ingleses têm efectivamente uma expressão universal, Maria Callas tem espessura universal, a espessura da Amália esgota-se nos portugueses e na cultura Portuguesa e no desejo dos portugueses encontrarem um símbolo que os represente no qual querem à viva força acreditar que tem espessura universal. O que questiono é se Amália, para além dos portugueses representa hoje o que quer que seja.Para os estrangeiros que trabalham com música amália, e também o fado, não vai além da particularidade e curiosidade mais ou menos exótica, mais ao menos etnográfica.

Zunkruft disse...

Não podia discordar mais! E, deixa-me que diga que acho essa visão extremamente redutora, PGFV.

Como produto da indústria discográfica de então foi usada como força propulsora do Estado Novo, quer interna, quer externamente? Sem dúvida.
Torna-se redutor é reduzir a Amália e a sua importância a isto.

Queres maior prova da intemporalidade do repertório dela do que a dificuldade que os artistas de hoje têm em fazer tributos ou reinvenções dessas canções?
Para efeitos de comparação noutro contexto, tens os The Beatles? Achas que é por acaso que, por muito bons que os covers sejam, na maioria dos casos, as versões originais sejam sempre melhores? Porque será? E quem diz The Beatles, diz Bob Dylan, Woodie Guthrie, Cole Porter, Johnny Cash ou Edith Piaf, por exemplo. A situação sucede-se quase sempre pelas mesmas razões.

Para além disso, é muito óbvio que, se analisarmos a carreira da Amália e se conjugarmos esse traçado com a personalidade dela, postura (seja em palco, seja em privado) e até mesmo com a história de vida e a expressão cultural directa ou indirecta...
...Já reparaste que a maioria destes itens coincidem também com Piah, ou Callas, ou Marylin Monroe, ou a Madonna nos dias de hoje (se bem que cada uma destas num contexto, género musical ou artístico, área distintos). O que é que cada uma delas representa culturalmente, se resumirmos isso - e esse conjunto de itens - a uma só palavra?

Zunkruft disse...

Oh PGFV, este tipo de comentários nem parece teu, estou surpreendido, porque (desculpa-me ser um bocadinho duro, mas...) tens escrito alguns disparates, uns atrás dos outros. Mas acho que é apenas porque não estás a reflectir muito sobre a questão.

The Beatles é um produto datado? Esta é a maior atrocidade do comentário. Tens noção de que uma percentagem do catálogo dos The Beatles apenas iria carecer de uma remasterização para continuar a permancer tão ou mais actual do que alguns produtos novos?
Será que tens noção de que se a "Tomorrow Never Knows", a "Get Back" ou a "Hello Goodbye", por exemplo, fossem lançadas como single hoje, ainda seriam sucessos do Top 40?
Será que tens noção de que o álbum duplo White Album é propositadamente heterogéneo porque, em 30 canções cataloga pela primeira vez sub-géneros do pop ou do rock (e até de outros géneros) que não sofreram grandes alterações até hoje (excluindo técnicas de produção e masterização, obviamente)?

Gostemos dos The Beatles ou não, essa sobrevalorização que se faz deles acaba por ser justificada por coisas que parecem insignificantes como estas... tal como a intemporalidade de grande parte daquelas canções. A revolução na indústria e na forma de se fazer música pop não surgiu por obra e graça do Espírito Santo...

Por outro lado, goste-se também ou não (e há muitos fadistas mais fundamentalistas que não gostam de ouvir isto), a Amália trouxe "n" inovações a um género marcadamente folk que, se assim não fosse, facilmente ficaria confinado ao conhecimento interno de uma comunidade.
Estou a falar da quebra das convenções que delimitavam em demasiado "o que era o fado", nomeadamente nas marcações e compassos, na estrutura das canções, no tipo de malabarismos vocais (que pura e simplesmente não existiam antes da Amália... da mesma forma que muitos consideram existir uma fase pré-Callas e pós-Callas no canto lírico! E cá estão as semelhanças, uma vez mais...), até em algumas temáticas e, mais importante: na adaptação de determinados autores a um género que era popular e que não tinha conexão lírica com a high culture. Mais do que isso, mais do que a exportação deste género e de parte da cultura portuguesa e do líderar dessa operação, Amália passou a significar "fado", e por consequência "Portugal" para o mundo exterior que desconhecia quase tudo do que estava dentro destas quatro paredes. E isso foi muito para além do pós-Abril, como hoje ainda podemos constatar.

Acho extremamente injusta, redutora e pouco reflexiva a tua visão sobre a "Dona Amália"... e sobre os The Beatles também, já agora.

poor guy fashion victim disse...

Oh Nossa Senhora de Fátima, alguém diz o que constata, Amália não tem uma dimensão universal e vem tudo abaixo.Aí se vê a força do mito. Para os tugas claro.

Experimenta perguntar a um estrangeiro o que acha ele de Amália ;)

Zunkruft disse...

Mas não está em causa a dimensão universal ou não dela. A Edith Piaf também não tem uma dimeñsão universal, grande parte da sua importância ficou circunscrita ao universo francês, e não é por isso que deixa de ser um caso igual e de simbolismo de uma cultura perante o resto do Mundo.

poor guy fashion victim disse...

Oh homem, lá por eu não gostar de Amália, nem de fado já agora, não te eriçes!!! E não, Piaf tem uma dimensão universal ao contrário de Amália. Não existiria Piaf sem o existencialismo, e nem o existencialismo seria a mesma coisa sem Piaf e o existencialismo não se resume ao senhor Sartre nem se ficou pela Rive Gauche (daí ter um carácter universal). E os Beatles são datados sim senhor, porque tudo é datado, porque tudo surgiu num determinado contexto.Contexto que deu Amália e que Amália conscientemente ou não representou e é precisamente esse contexto que eu não gosto.

Zunkruft disse...

Oh amigo, eu acho é que o seu comentário denota que não está a conseguir distanciar-se do preconceito que tem em relação a estes nomes quando faz a sua análise.

Eu também não sou fã de noise music e muitas vezes não suporto ouvir mais de 3 minutos disso, mas compreendo perfeitamente o seu lugar na história da música e a influência que teve tanto nas culturas mainstream como nas culturas underground da música.

O existencialismo, felizmente, já existia bem antes da Edith Piaf. As worksongs do séc. XIX, já tinham isso conotado às vezes, mesmo que nunca se tivesse daod atenção ou analisado isso.

O menino pode não gostar da Amália, mas não pode negar que, ainda hoje (apesar da dimensão ser menor) para muitos estrangeiros, uma das acepções linguísticas que "Portugal" significa é, precisamente, "Amália", para além de mais algumas. Só e tão só isso é suficiente para justificar a dimensão internacional da Amália.
Esgotarmos a Amália ao contexto histórico-político (i.e., reduzirmos a Amália a um produto do Estado Novo) é querermos ser cabras-cegas e estarmos ignorar "n" itens tão ou mais importantes para uma análise como esta.

«tudo é datado, porque tudo surgiu num determinado contexto»Errado. A noção de intemporalidade não é definida ou "decidida" pelas variáveis espaço-tempo (se quiser, posso ver se consigo achar os autores que falam sobre isto, para lhe emprestar) - não é isso que define o que é intemporal ou não, o que tem dimensão nacional ou internacional, o que é mainstream ou underground, etc etc.

No caso dos The Beatles, a prova é precisamente o que eu escrevi no outro comentário, que se algumas canções deles fossem lançadas hoje, pela primeira vez, a maioria delas continuava a ser um sucesso das tabelas internacionais.